A professora Fanka Santos, do curso de biblioteconomia da Universidade Federal do Cariri (UFCA), está, neste início de 2025, a convite da Universidade de Poitiers, na França, ministrando aulas (em português) sobre literatura de cordel para a comunidade acadêmica local – que “supervaloriza o folheto”, segundo a docente cearense.
O cordel – reconhecido em 2018 como patrimônio imaterial brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) – é bastante valorizado na França e, segundo alguns especialistas, precisou ser reconhecido na Europa para alcançar repercussão no próprio Brasil.
O reconhecimento europeu se deveu, em muito, ao pesquisador francês Raymond Cantel (1914 – 1986), que, após várias viagens ao Brasil (e particularmente ao Ceará), ao longo de duas décadas, introduziu, na academia francesa, nos anos 1970, a obra de Patativa do Assaré: um nome difundido da cultura tradicional oral que, para muitos, atualmente, dispensa apresentações. Raymond chegou a reunir cerca de 4.000 folhetos em seu acervo pessoal, de diferentes cordelistas brasileiros.
As obras femininas no cordel e na cantoria nordestina, porém, não alcançaram a mesma visibilidade. Percebendo esta lacuna, professora Fanka pesquisou, ao longo de duas décadas, a vida e a obra das autoras de cordel e de cantoria do Nordeste. E assim nasceu, em 2023, ‘O Livro Delas: catálogo de mulheres autoras no cordel e na cantoria nordestina’.
O objetivo da obra foi evidenciar a produção de cada autora e criar uma historiografia dessas mulheres, pautando obras realizadas entre os séculos 19 e 21.
“É importante que as pessoas saibam que os olhos da universidade estão voltados para a valorização da cultura local. Além do meu trabalho e de outros, a Pró-Reitoria de Cultura da UFCA está realizando atualmente uma iniciativa de documentar os Tesouros Vivos [do Ceará]”, disse Fanka, fazendo referência aos mestres e mestras da cultura no estado do Ceará que resguardam práticas e saberes tradicionais da rica cultura nordestina.
N’O Livro Delas, destacam-se nomes, entre outros, como os de Salete Maria da Silva, Sebastiana Gomes de Almeida Job (a Bastinha), Josenir Lacerda, Maria do Rosário, Dalinha Catunda (todas conhecidas pelo grande público), como também violeiras repentistas, a exemplo de Mocinha de Passira e Minervina Ferreira – que se somam a muitas outras no campo dos poetas e repentistas do Nordeste do Brasil.
“O livro derruba o paradigma tradicional de que mulher não fazia tradicionalmente cordel ou repente. Por essa razão – e sobretudo por não haver praticamente publicações sobre autoria feminina [de cordel e cantoria] na historiografia oficial –, é que esse livro é paradigmático”, reflete professora Fanka.