Recentemente, atendendo a um pedido do Conselho Federal de Psicologia, a ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, suspendeu os efeitos de uma decisão que na prática, permitia que psicólogos realizassem terapias prometendo a “cura gay”. A cura, em seu sentido latu (geral) equivale dizer que é o restabelecimento da saúde. Ou seja: existe uma doença a ser tratada. Contudo, o nexo entre homossexualidade e patologia, para a ciência, é, nos dias atuais, completamente obsoleto, embora (infelizmente) ainda discutível no campo moral e religioso.
Para a psicologia brasileira, desde 1999 que o Conselho Federal entende, por seu colegiado através de resolução, pela proibição que psicólogos promovam terapias prometendo a reversão da homossexualidade, chamada pelos seus partidários de “reorientação sexual”. O Normativo determina que “os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça ou instigue tratar como patologia comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adote ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados”. E que “os psicólogos não exercerão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades”.
Em consideração ao livre arbítrio dos pacientes, o Conselho estipulou ainda na Resolução que pessoas que não se sentiam bem com a própria sexualidade podiam continuar sendo atendidas, mas psicólogos não poderiam prometer transformá-las em heterossexuais ou seja: não havendo doença, não há o que se falar em “cura”. Na resolução, os profissionais também são instados a contribuir para uma reflexão sobre preconceito e discriminação contra aqueles que apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas.
A ação pela ‘cura gay’
O caso tem origem em uma ação popular de 2017, que tinha como objetivo revogar a Resolução do Conselho de Psicologia, o qual, como dissemos, impedia qualquer tratamento de “reorientação sexual ou cura gay”. Uma das autoras da ação popular contra a resolução é a missionária e psicóloga evangélica Rozangela Alves Justino, que, em 2007, foi censurada publicamente pela seção fluminense do conselho federal, por promover a “cura gay”. Posteriormente, foi censurada pelo Conselho Federal de Psicologia e teve seu registro profissional cassado. Antes de seu julgamento pelo conselho federal, em 2009, Rozangela afirmou que o “movimento pró-homossexualismo” queria implantar uma “ditadura gay” no Brasil.
Em uma decisão emblemática e tida como “retrógrada”, de setembro de 2017, em caráter temporário (liminar), sobre o caso, o juiz federal Waldemar Cláudio de Carvalho, do Distrito Federal, não suspendeu a resolução de 1999. Contudo, abriu brechas determinando que ela deveria ser interpretada de forma a permitir “tratamentos visando a “cura gay”. Ele também determinou que pesquisas sobre o tema deveriam ser autorizadas, algo que não é completamente vetado na resolução do conselho.
Em sua decisão, Cármen Lúcia determinou a suspensão da ação popular até seu julgamento final pelo Supremo, que não tem data marcada para ocorrer. Isso fez com que a decisão em primeira do Juiz Carvalho, fosse suspensa.
STF e a criminalização da homofobia
O tema, de extrema relevância e sensibilidade político-social está também no STF para que o mesmo aprecie ações que por sua vez têm objetivo contrário à da cura gay: a criminalização da discriminação por orientação sexual e por identidade de gênero.
O julgamento de duas ações teve início em 13 de fevereiro de 2019 e até agora quatro dos 11 ministros votaram sobre o assunto. O ministro Celso de Mello, que é relator de uma das ações, avaliou que uma decisão é necessária devido à “evidente inércia e omissão” do Congresso sobre o tema.
Isso, porque, no Brasil, todos os principais direitos de LGBTI foram garantidos por meio de decisões da Justiça, e não pelo Legislativo. Como o caso da união civil e do casamento homoafetivos e do reconhecimento da identidade de gênero de travestis e transexuais, por exemplo. Em seu voto, Mello propôs que, até que o Congresso vote sobre a criminalização da discriminação por orientação sexual e a por identidade de gênero, tanto transfobia quanto homofobia sejam enquadrados na Lei do Racismo, de 1989. Edson Fachin, relator da outra ação, votou de acordo com Mello. Outros dois ministros, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, votaram de acordo com os relatores, o que, para juristas experientes equivale dizer que muito provavelmente os demais ministros irão seguir o voto do Relator Mello, unificando a decisão e, por fim, tornando a homofobia um crime.