quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Coluna política: Poder paralelo e criminalidade no Brasil

O extermínio brutal de três médicos na orla da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, sendo um deles irmão da deputada federal paulista Sâmia Bonfim – PSOL, pôs foco novamente em uma questão que insiste em não ser tratada nos seus devidos termos no Brasil: o poder paralelo do crime organizado.

As revelações mais recentes do caso trazidas ao grande público pela mídia, sobretudo a da execução rápida dos supostos executores dos disparos, indicam ser bastante provável estarmos diante de uma ação desastrada na qual uma das vítimas foi confundida com um miliciano, para quem deveria se dirigir a rajada de bala despejada nos jovens médicos.

A tragédia não é exceção, nem é uma exclusividade da Cidade Maravilhosa, já que extermínios de pessoas, sobretudo jovens negros moradores de áreas periféricas com alta vulnerabilidade social é uma realidade constante em praticamente todos os Estados da federação. Nesse caso específico, como as vítimas estão fora do padrão dos indivíduos que podem ser exterminados sem maiores alardes sociais, o verniz cruento da violência ganha as telas e traz uma repercussão negativa para os negócios do poder paralelo, motivo pelo qual a reação dos seus comandantes foi rápida, como se fosse um recado ao governo e à sociedade: “pronto, caso resolvido, matamos os matadores”.

Ocorre que esse tipo de “justiça sumária” é justamente a negação do poder do Estado oficial, único autorizado ao uso da força e da aplicação da lei.

O fato concreto diante de tudo isso é o de que a ausência do Estado oficial produz um Estado paralelo com poder real, controle de territórios, leis e regras próprias de conduta, de julgamento e de punição. Não se trata apenas de ausência do poder público na questão da segurança propriamente dita, mas, sobretudo, da ausência das políticas públicas de garantia de direitos, inclusão social, prestação de serviços e gestão do território. Na ausência do Estado garantidor de direitos, de bem-estar social (welfare state), o poder paralelo do crime organizado, das facções, domina o território e impõe as suas regras – é um Estado dentro do Estado.

A questão pode ainda ser mais grave e complexa. Há estudos nos campos da Ciência Política e da Sociologia que sugerem a imersão desse poder paralelo nas estruturas do Estado oficial, com representantes de milícias, facções e organizações criminosas internacionais ocupando cargos, inclusive eletivos, nos três poderes (executivo, legislativo e judiciário), em âmbito federal, estadual e municipal, através de uma organização política não declarada entranhada em parte do sistema para, por dentro da máquina, eleger, aprovar ou nomear representantes dos negócios do crime em lugares de comando e decisão no poder oficial.

O quadro, como se vê, é grave e complexo, de modo que as soluções para enfrentá-lo são igualmente complexas e transversais. O certo é que, sem um plano nacional coordenado pelo ministério da Justiça e ligado diretamente ao gabinete da presidência da República, com ampla participação de diversos ministérios, do Judiciário, Legislativo, Ministério Público, universidades e da sociedade civil, qualquer plano tende a cumprir a sina dos demais apresentados até hoje: o fracasso.

O modelo também é válido para os Estados e Municípios, já que as ações devem ser integradas e pactuadas com um comitê gestor com representatividade institucional e social. A propósito, não há mais espaço na atualidade para eximir as gestões municipais da questão da segurança pública, já que é no território do município que a violência se materializa, que o crime se realiza.

A proteção da vida, da integridade e do patrimônio é a base do acordo mínimo que funda o Estado e legitima o poder oficial. Sem essas garantias o Estado se torna manco e a barbárie pode estar ali na próxima esquina.

*Isaac Luna é advogado, cientista político, consultor e professor universitário

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