Enquanto o cidadão, o artista, o cientista, o produtor cultural, o professor, o trabalhador da cultura e muitos outros milhares de brasileiros e brasileiras dormiam na noite do 06 de setembro, véspera do feriado da independência, o Presidente da República publicava em edição extra do Diário Oficial da União o Decreto nº 11.190/2022, que permite a liberação de 5,6 bilhões de reais, ainda antes do 1º turno das eleições, ao chamado orçamento secreto, negociado pela base de apoio do governo à portas fechadas através das ditas emendas de relator.
A manobra é duplamente inconstitucional e imoral, pois flexibiliza a política orçamentária permitindo os repasses sem que haja necessidade de apuração bimestral das despesas obrigatórias, sendo exigido a partir do novo Decreto apenas a existência de “atos legais”, bem como anula na prática os efeitos da derrubada dos vetos presidenciais pelo Congresso às leis de incentivo a Cultura, a Ciência e a Tecnologia.
Atenção! O dinheiro que vai parar nas mãos dos parlamentares do centrão que dão sustentação ao governo é o que deveria ir para os setores da Cultura, da Ciência e da Tecnologia através de leis aprovadas no Congresso Nacional e agora “invalidadas” na prática pela manobra do Executivo. Para ficar mais claro: os tais “atos legais” exigidos no novo Decreto para flexibilização do orçamento já existem e foram criados também de cima para baixo pelo governo. Trata-se da MP 1.135/2022, que exime o Poder Executivo da obrigação de repassar o dinheiro das Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2, de socorro ao setor cultural, e do Perse (Programa Especial de Retomada do Setor de Eventos), bem como também a MP 1.136/2022, que tem o mesmo efeito sobre parte dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT.
As firulas, aberrações e “imbrochabilidades” do 07 de setembro são um artifício para desviar a atenção do público e da mídia para o escândalo de fato em andamento com essa manobra: a quebra do princípio republicano e democrático da separação e harmonia entre os Poderes para atender demanda de cunho eleitoral as vésperas do pleito nacional.
A estratégia, por mais inapropriada e covarde que seja, pode ter sucesso, pois, mesmo não sendo unanimidade no Congresso, conta com o silencio conivente de muitos parlamentares que serão diretamente beneficiados pela transferência desses recursos para o orçamento secreto e irrigarão campanhas eleitorais que, ainda que digam o contrário nos seus discursos, são inimigas da Cultura, da Ciência, do Conhecimento e de toda a Nação.
Não é uma escolha difícil, como se disse alhures em um editorial de 2018, pois a força dessa grana, como diz o poeta, pode construir muitas coisas belas no campo das artes, do conhecimento e da cidadania, mas, da mesma forma, colocada de maneira inconstitucional nas mãos dos predadores da política, pode também destruir outras tantas coisas belas, tais como a democracia, o sentimento de identidade e pertencimento e a própria liberdade.
Esse deve ser, também, um critério fortemente considerado na escolha que o Brasil fará em 02 de outubro. E você, de que lado ficará?
*Isaac Luna é cientista político, advogado e professor universitário