quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Coluna Política: “Meu erro”

Geralmente escrevo a coluna em terceira pessoa, obedecendo a impessoalidade e afastamento axiológico entre observador e objeto tão caros à investigação científica. Porém, como o que quero falar hoje tem a ver com aquilo que o filósofo pragmatista Jonh Dewey chama de “experiência-vida”, preciso discorrer em forma de relato, o que me impõe uma narrativa em primeira pessoa.

Pois bem, vamos ao relato dos fatos:

Nessa terça-feira, véspera do feriado do Dia do Trabalho, fui com alguns colegas de trabalho a um show de Paralamas do Sucesso e do Biquini Cavadão, bandas emblemáticas do pop rock nacional dos anos 80 muito significativas na minha formação cultural, que embalam ainda hoje a playlist pessoal.

A expectativa que eu nutria era a de que seria assim: o Biquini Cavadão vai abrir o show e os Paralamas vem depois, arrebatando a multidão e levando a galera ao êxtase, ao puro êxtase. Essa era a minha percepção pessoal, permeada de desejos, memórias, sensações e totalmente contaminada pela cilada dos gostos e preferências. Gosto muito das duas bandas, mas prefiro Paralamas e, na ilusão do gosto pessoal, acreditei que a maioria também preferia. Ledo engano!

Apesar do showzaço de Hebert Viana e turma, a entrada do Biquini Cavadão no palco foi apoteótica, com direito a fã-clube, confete e faixas personalizadas na plateia, ou seja: a turma do Bruno Goveia engajou mais, arrebatou mais a multidão do que os meninos de Brasília. A minha percepção da realidade, portanto, estava equivocada – e o meu erro foi querer… ou melhor, foi acreditar que os meus gostos e preferências pessoais seriam também os gostos e referências da maioria. Entrei pelo cano…

– E o que isso tem a ver com a política e as eleições?

– Tudo.

É muito comum que na montagem das estratégias de campanha o candidato e sua equipe se deixem levar por percepções movidas pelas emoções, intuições, gostos e preferências pessoais, criando narrativas descoladas dos sentimentos e da percepção da realidade predominante na sociedade.

Uma campanha competitiva não pode prescindir de pesquisas científicas, quantitativas e qualitativas, com alto rigor metodológico na seleção da amostra, construção dos questionários, coleta e tabulação os dados. Do mesmo modo, não pode abrir mão do profissional habilitado para traçar cenários e perspectivas a partir da correta leitura dos dados apresentados pelas pesquisas, bem como de uma equipe de comunicação e marketing político capaz de transformar os relatórios em peças e campanhas que traduzam tudo isso em linguagem simples e palpável para o grande público. É a árdua e complexa tarefa do convencimento no campo das ideias, coração mesmo da própria política.

É claro que no campo da cultura, das artes, não há de fato esse erro, pois estritamente relacionado à vida privada, aos gostos e preferências individuais, de modo que cada um gosta de que gosta e guia-se sem maiores prejuízos pelas suas emoções, preferências e desejos. Mas, na Ciência Política, como bem nos ensina o aniversariante de hoje, Nicolau Maquiavel, nascido em 03 de maio de 1469, essa regra não vale, pois o que vale nela é de fato a objetividade pautada pela consulta à literatura especializada, pelo rigor metodológico e pelo afastamento valorativo e emocional do cientista do fenômeno social que analisa.

Tudo isso me fez lembrar de um conhecido clássico dos estudos da Política, o monumental livro do Dick Morris, confesso admirador de Maquiavel, intitulado Jogos de Poder – Ganhar ou perder: como jogaram a partida os grandes líderes políticos da história, sobretudo quando diz: “O cemitério da política está repleto de homens e mulheres que confiaram nos seus instintos, que se mantiveram firmes, mas que viram os acontecimentos passarem ao largo, distanciando-se sem mesmo acenarem um adeusinho”.

Na realpolitik o erro de percepção motivado pelas emoções, desejos e preferências é fatal, principalmente quando a real percepção dos fatos só salta aos olhos quando já se está em alto mar, sem a menor chance nem maneira de voltar, deixando o candidato a ver navios na Lanterna dos Afogados.

Moral da história para o candidato: consulte o Caleidoscópio da Ciência Política, antes que o deserto do real lhe deixe Perplexo.

Viva aos 555 anos de Maquiavel!

*Isaac Luna é cientista político, advogado, professor universitário e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político – ABRADEP

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