terça-feira, 24 de dezembro de 2024

Coluna Política: A Justiça Eleitoral e o controle do abuso de Poder na Democracia

Vamos começar com uma obviedade: as leis eleitorais são feitas pelos próprios políticos que serão julgados com base nelas e, por isso, são ineficazes para fazer o controle jurídico dos abusos na disputa democrática e no exercício dos mandatos, pois os políticos jamais fariam leis para prejudicarem eles mesmos. Parece óbvio, mas não é!

O obvio nem sempre é tão fácil de ser enxergado, dada a quantidade de cortinas de fumaça, preconceitos, crenças e desinformações que tornam a realidade social de fato (e, portanto, a obviedade) muitas vezes difícil de ser enxergada, mesmo estando debaixo dos nossos olhos. Por isso a conhecida frase já tantas vezes ditas precisa ser repetida, por ser real: “o obvio precisa ser dito”. E o obvio (o real) é que o Brasil, por meio da sua Justiça Eleitoral, é um dos países que mais cassa mandatos eletivos no mundo. A nossa Justiça Eleitoral não só é eficaz como, em alguns casos, demasiado severa nos seus julgamentos.

Mas isso não é sem motivo, já que há práticas muito contundentes observadas nas disputas eleitorais que violam o princípio básico da Democracia de paridade de armas entre os concorrentes. As figuras do abuso de poder político, abuso de poder econômico e  o uso indevido de meios de comunicação através de notícias, fatos e denúncias falsas são caracterizadas justamente por condutas que criam uma disparidade não permitida pela lei e viciam a vontade soberana do eleitor, distorcendo o resultado final do pleito (o abuso de poder religioso não é ainda aceito pelo TSE, apesar de haver alguns julgamentos em TER’S.

A popular “compra de voto”, bem como o uso irregular da estrutura administrativa, das políticas e dos recursos públicos em favor de um candidato (e, portanto, em desfavor dos demais) são o principal motivo de cassação de mandatos eletivos e também da decretação de inexigibilidade de políticos no Brasil. Aliás, nesse particular é importante frisar que no que se refere ao executivo municipal, a Justiça Eleitoral brasileira é a 1ª colocada no ranking mundial de quem mais cassa mandatos de prefeitos. Não raros também, como amplamente divulgado e conhecido, sãos os casos de cassações de mandatos de vereadores, deputados estaduais e federais e até de governadores. Se o plano dos políticos, como pode alguém supor, era de criar leis eleitorais que não os atingissem, deu errado.

Tudo isso é fato, e é obvio que mandatos adquiridos com o artifício da compra de votos, do uso da máquina pública, do constrangimento causado pelo uso indevido da fé religiosa e pela divulgação de fake news devem ser sustados em defesa da Democracia. Mas também é fato (óbvio) que a vontade soberana das urnas, pilar fundamental dessa mesma Democracia, somente deve ser invalidado quando não houver resquício algum de dúvida acerca da conduta ilícita (contrária a lei eleitoral) praticada pelo, ou em favor do candidato. A ampla defesa, o contraditório, o devido processo legal e a presunção de supremacia da vontade do eleitor devem ser sempre o contraponto indispensável da balança, garantido assim uma Justiça Eleitoral não apenas eficaz, mas, além de eficaz e acima de tudo, justa, evitando que meras denúncias, suspeitas e irregularidades sanáveis prevaleçam sobre o resultado soberano das urnas

É obvio que ainda há muito por fazer no combate a corrupção eleitoral e nos ataques do abuso do poder econômico, principalmente, contra a democracia e a vontade livre e consciente do povo. Assim como também é obvio que essa não é uma tarefa apenas da Justiça Eleitoral, mas de toda a sociedade.

Entretanto, é obvio, ao fim e ao cabo, que sem a atuação dos agentes do sistema da Justiça Eleitoral, ou seja, juízes, promotores, desembargadores e, sobretudo, advogados eleitoralistas (o contraponto fundamental sem o qual não há justiça), o controle do abuso de poder que fere de morte a Democracia estaria perdido.

É obvio!

*Isaac Luna é cientista político, advogado e professor universitário

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