Está em curso, já há algum tempo, um processo de “demonização” da política como algo intrinsecamente ruim, como um espaço ocupado por aproveitadores e espertalhões que buscam riqueza, poder e privilégios. De certa forma ela também é isso, mas seguramente não só isso!
A política não é uma atividade apenas daqueles que costumamos chamar de políticos, ou seja, de pessoas vinculadas a partidos políticos que concorrem a cargos determinados em eleições municipais, estaduais e nacionais. A política, como principal instrumento de organização da vida coletiva é uma atividade que compete a todos os indivíduos e instituições sociais. Todo discurso, ou mesmo toda fala social é política, pois reflete, apresenta ou defende um modelo desejado de sociedade, de valores coletivos a serem cultivados ou de organização do trabalho e distribuição das riquezas. Não existe o indivíduo social apolítico!
No seu sentido clássico, na melhor tradição do pensamento grego materializado na obra de Aristóteles, a finalidade última da política é garantir o bem comum e a felicidade das pessoas. Ainda que nem todos que estão na chamada “política profissional”, ou seja, aqueles que ocupam os cargos de comando por meio do voto, estejam imbuídos desses propósitos, é preciso assumir a atividade política como responsabilidade coletiva, e portanto de todos, e trazê-la o máximo possível, mesmo que reconhecendo a dificuldade que isso implica no campo das disputas de poder, para o seu sentido mais nobre, para a sua finalidade última e primeira: a garantia do bem comum e da felicidade, o que pode ser traduzido no campo do pensamento contemporâneo como garantia da dignidade da pessoa humana.
Pois bem, nessa perspectiva a homilia natalina da noite de Natal do Papa Francisco foi uma fala política. Evidentemente que não uma fala partidária ou eleitoral, do lado A, B ou C, mas uma fala que chamou a responsabilidade social – e, portanto, política – das pessoas que seguem a instituição que ele comanda, para a questão da rejeição, da pobreza e do consumo desenfreado como fio condutor da vida social.
Francisco foi didático e direto, não usou meias palavras na sua pregação e lembrou que, no campo dos que fazem parte da religião que ele representa, o acolhimento, a responsabilidade com a proteção dos pobres e vulneráveis e a ação transformadora da realidade, que chamou de concretude, são os pilares fundamentais da ética que vinculam a fé verdadeira.
Do seu modo, e falando do lugar de um líder religioso para fiéis (e não de um candidato para eleitores), Francisco assumiu uma postura espiritual com reflexos diretos no mundo material, resgatando no seu discurso o propósito real da vida em coletividade e da atividade política, quer dizer, repetidamente: do bem comum, da dignidade da pessoa humana e da felicidade. O Papa orientou para ação no mundo, para uma postura de desapego ao consumo voraz, a disputa por poder e riquezas monetárias, alertando que a verdadeira riqueza são as pessoas e os relacionamentos, de modo que é aí que está o sentido da vida. Levada a cabo a sua fala, cuja finalidade é espiritual, inevitável será também uma transformação na política como atividade humana orientada por posturas, propósitos e sentimentos humanos.
Fazer política não é apenas defender partidos ou políticos quaisquer, mas sobretudo posicionar-se sobre a responsabilidade de cada um sobre a felicidade, a dignidade e o bem-estar de todos e de cada um, sobre como é possível cuidar do outro.
Ao lado da belíssima mensagem espiritual, foi sobre isso também que Francisco falou.
*Isaac Luna é cientista político, advogado e professor universitário