Em votação simbólica ocorrida na última sessão conjunta do Congresso Nacional em 2023, na sexta-feira véspera de Natal, deputados e senadores aprovaram um fundo eleitoral de aproximadamente R$ 5 bilhões para bancar as eleições municipais de 2024, em votação que uniu as bancadas da direita e da esquerda, passando pelo centro.
Para melhor entender essa questão e seu desfecho, impõe-se uma pergunta: Quais são as alternativas, no campo da institucionalidade democrática, para se colocar no lugar do financiamento público através do fundo eleitoral?
A primeira alternativa seria o financiamento privado, feito por empresas que em regra são prestadoras de serviços à administração pública municipal, que será gerida pelos governantes eleitos com esse financiamento, modelo já considerado inconstitucional pelo STF em 2015. Nessa modalidade de financiamento privado ainda é possível obter-se financiamento por meio das contribuições de pessoas físicas, desde que limitadas a 10% da renda do doador, prática que não encontra aderência na seara dos costumes que formam o caldo da cultura eleitoral pátria. Além disso, aponta-se a doação pessoal como uma janela de oportunidade para as fraudes, já que podem ser usadas apenas como ponte para legalização de recursos obtidos de maneira ilícita.
A outra forma admitida na lei é o financiamento pessoal (autofinanciamento), através do qual o candidato pode custear a própria campanha, no limite do teto de gastos estabelecido para o cargo que concorre, modelo que, ampliado, tende a transferir para o campo das eleições a desigualdade econômica objetivamente demonstrada por diversas pesquisas, de diversos institutos, reinante no País.
Dessa forma, o financiamento público tende a ser, pelo menos em tese, o modelo mais democrático, pois estabelece regras de distribuição do fundo eleitoral entre os partidos por critérios predeterminados em lei.
Mas, então, por que a polêmica? Alguns pontos podem ser considerados para se chegar a uma resposta possível a essa indagação:
O resultado ótimo do financiamento público das campanhas depende de um sistema com partidos fortes e em número razoável, o que parece distante da realidade brasileira, onde temos hoje 35 partidos regulares e mais uns 70 na fila para registro no TSE. Um dos poucos consensos entre os estudiosos do atual sistema político-partidário é o de que 6, no máximo 10 partidos seriam suficientes para representar os campos ideológicos existentes na arena política tupiniquim, de modo que essa circunstância tende a diminuir os benefícios do financiamento público, pois pode levar àquilo que se convencionou chamar de “legendas de aluguel” (Veja com mais detalhes na nossa última coluna sobre a metamorfose dos partidos políticos no Brasil: Coluna Política: A metamorfose dos partidos brasileiros – Badalo).
Ao lado disso, nunca é demais lembrar que a cultura política brasileira ainda está amarrada a uma forte matriz patrimonialista e clientelista, como apontava Victor Nunes Leal (Coronelismo, Enxada e Voto, 1948), gerando um ambiente que exige campanhas eleitorais caríssimas, regadas a muito dinheiro.
Em um ambiente que apresenta características de banalização da criação de partidos, baixa legitimidade da representação partidária e necessidade de ampliação de investimentos na saúde, educação, ciência e tecnologia, infraestrutura etc, a aprovação de um fundo com esse montante acaba por mobilizar vários setores da sociedade na contestação da sua legitimidade.
Esse polêmica do financiamento público das campanhas eleitorais não é de fácil solução, dentre outras questões, porque: a) a operacionalização da democracia demanda investimentos; b) as alternativas ao financiamento público não se mostram eficientes para solucionar o problema; c) a mudança do modelo depende da mudança da cultura política patrimonialista, clientelista e tolerante com partidos que nada tem a acrescentar no debate político.
A análise das regras e mecanismos que movimentam a estrutura do poder em uma sociedade é complexa, de modo que convém sempre desconfiar das soluções simples, afinal, não financiar a democracia pode custar caro.
Por fim, lembrei de um velho pensador alemão, cuja pronúncia do nome pode levar a cancelamentos e agressões em demasia, que dizia que a democracia havia sido capturada pelos interesses econômicos. Se houver alguma lucidez nessa tese, será possível observar, empiricamente, o seguinte movimento:
- Haverá a tendencia de filiação dos postulantes a cargos eletivos em 2024 aos partidos com o maior número de recursos do fundo eleitoral;
- Os partidos com o maior número de recursos do fundo tenderão a eleger a maior quantidade de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores nas eleições municipais de 2024;
- Esse modelo tenderá a levar a concentração dos recursos do fundo eleitoral cada vez mais aos partidos catch-all e cartel (ver coluna anterior no link acima).
Para nos despedirmos de 2023, guardem esse post para, no final de 2024, conferirmos se o cenário apontado nos três pontos finais será confirmado.
Um próspero e democrático 2024 para todos e todas!
*Isaac Luna é cientista político, advogado, consultor e professor universitário