Vamos iniciar por um ponto de partida objetivo e consensual: a escolha política verdadeiramente democrática depende, pelo menos, de dois fatores bem claros, que são a liberdade de escolha e o acesso dos eleitores a informações verdadeiras que orientem o seu voto.
Contudo, desde a eleição de Trump nos EUA que a extrema direita mundial vem usando esse método da construção artificial de uma falsa realidade para conquistar votos pela tática do medo. Medo basicamente de inimigos fictícios, irreais, tais como o comunismo, o socialismo, os hereges, os destruidores da família tradicional etc. Coisas sem fundamento real no campo da disputa política efetiva, mas que mobilizam uma parte substancial da população em torno de uma pauta moral-ideológica potencializada pela indústria da desinformação.
Porém, como ninguém consegue fugir o tempo todo da sua real natureza, a espontaneidade verdadeira do atual presidente e candidato e alguns dos seus mais emblemáticos apoiadores e conselheiros abriu os olhos de muitos brasileiros e brasileiras até então indecisos na disputa eleitoral. Vamos a eles:
- O primeiro fato foi a jocosa fala do mandatário número um do país, ao revelar sem pudor que “pintou um clima” entre ele e uma menina venezuelana de 14 anos em situação de vulnerabilidade. A fala espontânea revela justamente o oposto da propaganda fabricada em torno da imagem do presidente, ou seja, de um pretenso guardião dos mais puros valores morais de uma sociedade cristã-conservadora. O sinal de alerta foi acionado e a população o viu.
- Ato continuado, o ministro Paulo Guedes, o “posto Ipiranga” do governo, deixou vazar três das suas metas para um eventual 2º governo Bolsonaro: a) o fim do reajuste real do salário-mínimo com base na inflação; b) o igual fim do reajuste das aposentadorias e; c) o fim da dedução dos gastos com educação e saúde no imposto de renda. De uma tacada só a revelação de três propostas escondidas por trás do oba-oba da propaganda hipnótica oficial expôs o bote contra os assalariados, aposentados e toda a classe média empreendedora e trabalhadora do país, preparado pela política econômica do governo para um sonhado segundo mandato.
- Nada obstante, a explosão de denúncias na Justiça do Trabalho e a divulgações de áudios e vídeos de assédio eleitoral praticado por empresários ligados ao governo Bolsonaro, dentre os quais o mais emblemático é Luciano Hang (o “véio da Havan”), revelaram o método truculento, baseado no constrangimento e ameaça de demissão, pelo qual o atual presidente procura, por meio dos seus apoiadores, angariar o voto dos trabalhadores para a sua reeleição. Falas e vídeos sem corte ou edição puderam ser ouvidos e assistidos por milhares de brasileiros, dando-lhes a possibilidade de refletir sem a interferência das firulas do marketing político.
- Por fim, ao receber os agentes da Polícia Federal com granadas e tiros de fuzil, Roberto Jefferson, um dos principais ideólogos e coordenadores informais da campanha à reeleição do atual presidente, revela espontaneamente o método a ser implantado numa eventual vitória eleitoral: o potencial uso da força bruta contra a lei e as instituições democráticas que se oponham ao projeto de poder do grupo. Isso não é propriamente uma novidade, já que mesmo durante a campanha do 1º turno muitas foram as falas violentas de apoiadores do atual presidente, além dos vários episódios de violência real, até mesmo assassinatos, registrados pela imprensa livre e divulgados a exaustão.
Esse conjunto de acontecimentos reais e indisfarçáveis pelas técnicas de propaganda, acabou por revelar à população uma série de elementos acerca do grupo político comandado pelo presidente que tenta a reeleição. Esses fatos tem provocado uma onda de declaração de apoios a candidatura do ex-presidente Lula como sendo a única alternativa posta para restauração e preservação da democracia no Brasil. Não se trata de uma disputa entre direita e esquerda, mas, claramente, entre dois campos do pensamento social que foram se agrupando nitidamente em razão de ideias ligadas a democracia ou ao autoritarismo político, moral, racial, econômico, étnico etc.
Empresários progressistas, artistas, intelectuais, jornalistas, economistas, movimentos sociais, lideranças políticas dos mais diversos partidos comprometidos com a democracia uniram-se em torno da defesa da candidatura de Lula. Não que não haja divergências entre eles, mas o fato é que a consciência de que a grande pauta que a todos deve unir nesse momento é a defesa da democracia fez com que as diferenças fossem superadas em nome de um bem maior. O jogo se tornou muito claro: de um lado uma frente ampla multipartidária e social em defesa da democracia, e do outro o atual governo com os métodos questionáveis e revelações intrigantes nas falas dos seus representantes nessa reta final de campanha.
De mais a mais, a eleição do próximo domingo será decidida ainda pela soberania do voto popular, pela livre consciência do eleitor brasileiro que, conhecendo de fato o que representa cada um dos lados, fará a escolha certa.
Os ventos, ao que tudo indica, voltaram a soprar a favor do Brasil.
Pitou um clima para salvar a democracia!
*Isaac Luna é cientista político, advogado e professor universitário