A indicação do juiz federal de carreira, ex-governador, senador eleito pelo Maranhão e atual ministro da Justiça do governo Lula, Flávio Dino, para a vaga deixada por Rosa Weber no Supremo Tribunal Federal – STF, não é propriamente uma surpresa para os brasileiros minimamente atentos ao mundo da política.
Dino era o nome natural, seja pela formação e conhecimento jurídico, seja pela atuação firme na pasta ministerial que ocupa, destacando-se no cenário governamental em relação a maioria dos ministros nesse primeiro ano do 3º mandato de Lula da Silva. Contudo, apesar da indicação não ser propriamente uma surpresa, os bastidores são sempre intrigantes, como bem dito no velho ensinamento de Otto Eduard Leopold von Bismarck-Schönhausen, Príncipe de Bismarck, Duque de Lauenburg e conhecido diplomata prussiano do século XIX.
Pois bem, é justamente nessa esteira dos bastidores que está a compreensão dos fatos ocorridos nas últimas semanas, através dos quais o maranhense ora indicado ao Supremo foi alvo de inúmeras críticas acerca da presença de uma personagem ligada ao mundo do crime organizado na sede do ministério. Mesmo que o ministro propriamente não tenha recebido a figura, o episódio foi explorado a exaustão para provocar o maior desgaste possível a Dino e criar uma narrativa que possa ser usada para vender cara a aprovação do seu nome no Senado Federal.
As posições políticas do ministro confrontam diretamente com interesses de grupos de pressão que circundam o centro do poder no Planalto Central, já que a democracia brasileira convive com esse “anel de Saturno” de grandes lobbys que influem diretamente nas decisões. Com o seu poder argumentativo na arena da política, tornou-se um grande empecilho para determinados projetos. De outra banda, o sucesso midiático de Dino causou também ciumeiras na base do governo, já que nenhum nome do 1º escalão presidencial conseguiu atrair tanta atenção do público, já havendo, inclusive, grupos açodados colocando na rua o bloco “Dino 2026”.
Pois bem, se uma figura desagrada os lobbys e não agrada o palanque, é natural também que se busque uma solução para evitar desgastes, mas que também agrade o aliado mais bem avaliado na opinião pública. O STF, nesse caso, se apresenta como uma alternativa bem razoável de redução de danos diante do imbróglio.
Porém, como já fartamente sabido, na política não há solução perfeita, de modo que, sendo o STF um campo aberto de disputas acerca da validade jurídica de diferentes visões de mundo e projetos de nação, a indicação de Dino também cria embaraços e descontentamentos que precisam ser tratados pela articulação do governo. A rejeição do nome indicado por Lula para a Defensoria Pública Geral da União é um prelúdio de enfrentamento no chão do Senado.
Nunca antes na história desse País o Poder Judiciário teve tanto poder de controle da atividade política e eleitoral, poder esse que lhe foi dado em grande medida pela própria política, pelo próprio legislador que, na tentativa de evitar desgastes com as suas bases eleitorais deixou de legislar sobre temas importantes da vida das pessoas e da nação, temas que envolvem direitos e garantias fundamentais que estão na base da própria ideia de democracia.
Outro motivo desses poderes do STF está na judicialização da política, ou seja, na prática levada a cabo por políticos e partidos de judicializar questões eminentemente políticas e, com isso, entregar ao Supremo a prerrogativa de decidir o que deveria ter sido decidido na arena do Congresso.
O recente episódio da PEC que limita as decisões monocráticas na corte é uma tentativa de parte do Parlamento de tomar aquilo que ele mesmo deu ao Tribunal: o poder de decidir, inclusive sobre matérias que, em tese, são genuinamente políticas.
Pois bem, é nesse contexto que a indicação de Flávio Dino chegará ao Senado Federal. Tratando-se de um ator reconhecidamente qualificado na política e no Direito, caberá a Câmara Alta decidir se o prefere no jogo aberto da política partidária e eleitoral, ou se o retira desse campo de batalha e o coloca em outro, o campo do Direito e da argumentação jurídica, no poderoso STF, que tem sido o VAR das disputas político-eleitorais do Brasil nas últimas três décadas.
Como diria o famoso imperador romano, Júlio César: “alea jacta est” (Os dados estão lançados!)
*Isaac Luna é cientista político, advogado, consultor e professor universitário