Uma mostra da diversidade cultural dos povos indígenas será realizada entre os dias 26 e 29 de outubro no Festival Unaé, pelo Centro Cultural do Cariri Sérvulo Esmeraldo, equipamento da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, gerido em parceria com o Instituto Mirante de Cultura e Arte.
No Terreiro das Artes, os encantados serão celebrados com música, tradição e brincadeira pelo toré do Povo Cariri de Poço Dantas. Da Galeria Átrio, pulsa o grito antirracista nas obras de artistas indígenas brasileiros que integram a exposição Hãhãw. Da literatura ao teatro, a arte indígena também virá de outros estados do país para integrar a programação do festival.
Unaé, na língua do povo originário Kariri, significa sonhar. O festival se propõe a abraçar uma ampla diversidade cultural de uma região ancestral no sul do Ceará: o Cariri, abrindo espaço ao protagonismo também dos povos originários que lutam para retomar sua cultura e sua identidade nos 29 municípios da região.
“A colonização sufocou manifestações originárias. A recuperação não é simples, muita coisa ficou esquecida e foi apagada. O Festival Unaé é uma manifestação da nossa disposição em trazer a cultura dos povos tradicionais para dentro do Centro Cultural, não só acolhendo, mas com a participação de seus atores e autores, pensando como uma forma de retomada”, afirma a diretora do Centro Cultural do Cariri, Rosely Nakagawa.
A retomada da identidade Kariri
É com esse espírito que o povo Cariri do Poço Dantas desce a Chapada do Araripe para abrir o festival com o seu toré. Com ele, evoca a história e a identidade de cerca de 150 famílias que vivem da agricultura de subsistência, preservando saberes e culturas também por suas mezinheiras, benzedeiras e parteiras.
“O toré faz parte da nossa espiritualidade. Todas as nossas ações no território iniciam com o toré, pedindo força para a gente se manter na nossa luta, na nossa resistência”, conta a líder indígena Vanda Cariri. É um momento para se conectar com os encantados, os ancestrais e a natureza.
Primeira comunidade autoafirmada indígena a se organizar na região, o povo Cariri do Poço Dantas tem servido de inspiração para outros grupos que encamparam nos últimos anos um movimento de retomada da identidade e do território por se reconhecerem parte da Nação Kariri.
“[Estar no Centro Cultural do Cariri] é uma forma de quebrar com o paradigma que é posto dentro da sociedade de que não há mais índio no Cariri, mas nós existimos”, diz Vanda. Além do povo do Poço Dantas, estão em movimento de retomada povos de aldeias como as dos Kariris de Chico Gomes (Crato), Baixio (Crato) e Marrecas (Lavras da Mangabeira), além de Isú Kariri (Brejo Santo), dentre outras.
“Um dos sonhos que nós temos é que o Cariri possa entender (…) que realmente há uma grande nação que habita esse território, que vive nesta negação durante muitos anos, e que precisa, mais do que nunca, reconhecer que a grande população é indígena, embora não se autoafirme indígena”, explica Vanda.
Artes visuais para provocar e pensar
A exposição Hãhãw é outro destaque para demarcar a presença indígena no festival. Vem como um convite para conhecer a arte produzida por 21 artistas, cujas vozes ressoam o combate ao racismo e ao genocídio dos povos originários brasileiros.
“A exposição Hãhãw apresentará ao público o panorama mais atual sobre as artes indígenas no circuito da arte brasileira, a partir de uma temática ainda pouco abordada, o racismo sobre os povos originários. Não é só uma exposição com produções indígenas, é uma exposição de protagonismo e autoria indígena”, afirma o curador Ziel Karapotó.
A diversidade, segundo Ziel, está tanto na pluralidade étnica como também nas linguagens apresentadas, que passeiam por pinturas, instalações, videoartes, vídeos performances, fotografias, mural e outras. As caririenses Barbara Matias Kariri, Vivi Kariri e Indja integram a exposição com suas obras.
“É para a gente provocar, alimentar, induzir as experiências que marquem, que ativem as nossas sensorialidades, que a gente pense por outros lugares, pelo cheiro. Que a gente pense pelo olhar, pelo toque, por uma imagem também que fica aqui nos olhos. Que a gente pense pela possibilidade de inventar outras imagens”, afirma Barbara Kariri, da comunidade Marrecos, em Lavras da Mangabeira. Ela defende a importância de Sonhar o Cariri para seus 29 municípios e não só pensando no triângulo Crato, Juazeiro e Barbalha.
Fruto do projeto de pesquisa Culturas de Antirracismo na América Latina (CARLA), sediado na Universidade de Manchester (Reino Unido), em colaboração com a Universidade Federal da Bahia, a Universidade Nacional da Colômbia e a Universidade Nacional de San Martin (Argentina), a exposição Hãhãw estreou em novembro de 2022 no Museu de Arte Sacra da Bahia e foi exposta também no Museu da Imagem e do Som do Ceará, em Fortaleza. A exposição continua em itinerância pelas comunidades de origem dos artistas e espaços culturais nacionais.
Múltiplas linguagens para a expressão indígena
Durante quatro dias, a programação do Festival Unaé traz a arte indígena cearense, nordestina e brasileira. O DJ Rapha Anacé traz o Techno Tapera. A rapper paulista Souto MC apresenta sua ancestralidade Kariri com influências de Racionais MC’s. Já a cantora Kaê Guajajara levará ao público seu segundo álbum, “Zahytata”. Rodas literárias também serão realizadas para promover o diálogo, como a conversa literária “O segredo do povo da terra – a memória oral como flecha de narrar- se”, com Barbara Kariri, Souto MC e Joedson Kariri.
“É importante demarcar este espaço [dentro do Festival Unaé e do Centro Cultural do Cariri] e reconhecer nossa atuação enquanto povos indígenas, enquanto população negra, enquanto sujeitos que são produtores de conhecimento e artistas. Esse espaço é uma maneira que a gente encontra de expressar a nossa existência, nossas cosmovisões e nossas lutas”, afirma Joedson Kariri.
Nos últimos anos, o movimento de retomada de povos da Nação Kariri vem ganhando força, em articulação com povos desta etnia em outros municípios do Ceará, em Pernambuco e no Brasil. São grupos que caminham guiados pelas pistas deixadas por seus ancestrais, como resumiu Airton Krenak, e tentam retomar territórios, cultura e identidade a partir das memórias e costumes que permanecem vivos, da espiritualidade à maneira de cuidar da terra.
Eles lutam para mostrar que Siará é terra indígena e que o Cariri é terra da Nação Kariri. “O que a gente está fazendo é trazendo os fundamentos da nossa narrativa, na cultura e na territorialidade, demarcando essa presença indígena na região”, afirma Joedson.
A diretora do Centro Cultural do Cariri, Rosely Nakagawa, afirma que o Festival Unaé desenha uma programação incorporando as tradições que já existiam na região e as que chegam até hoje com muita mescla de povos e práticas contemporâneaos. “Unaé vem da língua Kariri, que significa sonhar. Nós queremos que todo mundo sonhe esse Cariri e o Centro Cultural junto com a gente”, acrescenta o diretor do festival, Américo Córdula.
Sobre o Centro Cultural do Cariri
Com uma infraestrutura de mais de 50 mil m², o Centro Cultural do Cariri funciona em um imponente edifício em formato de H, projetado por arquitetos alemães na entrada da cidade do Crato, um município com 131 mil habitantes. De palcos, residências artísticas, quadras e pista de skate a um amplo bosque verde, é um espaço rico para promover lazer, cultura e ciência, em contato constante com a natureza que o rodeia na Chapada do Araripe.
Toda a estrutura do equipamento vem sendo inaugurada gradualmente, desde abril de 2022, e o Festival Unaé representa um novo momento com mais espaços em funcionamento, como as três galerias de arte. Um teatro com 600 lugares e um planetário ainda serão abertos pelo equipamento.
Programação Indígena no Festival Unaé
>> A programação completa do festival pode ser acessada aqui
26 de Outubro
Toré do Povo Cariri do Poço Dantas
Horário: 16h às 16h30
Local: Terreiro das Artes/ Livre
EXPOSIÇÕES- HÃHÃW: Arte indígena antirracista
Horário: 16h às 18h30
Local: Átrio/ Livre
Show Lítero Musical – Souto MC
Horário: 18h30 às 19h30
Local: Palco Tereza Kariri/Oralidades Urbanas/ 14 anos
27 de Outubro
EXPOSIÇÕES – HÃHÃW: Arte indígena antirracista
Horário: 9h às 16h
Local: Átrio/ Livre
Conversa Literária “O segredo do povo da terra – a memória oral como flecha de narrar- se” com Bárbara Kariri, Joedson Kariri e Souto MC
Horário: 10h às 11h
Local: Átrio/ Livre
Espetáculo “Margarida, pra você lembrar de mim” com Luz Bárbara
Horário: 18h às 19h15
Local: Pequeno Palco/ 16 anos
DJ Rapha Anacé – Set Tecno Tapera
Horário: 21h30h às 22h10
Local: Palco Mestre Azul/ Livre
28 de Outubro
EXPOSIÇÕES – HÃHÃW: Arte indígena antirracista
Horário: 9h às 23h
Local: Átrio/ Livre
Kaê Guajajara apresenta Show Literomusical “Zahytata”
Horário: 19h às 20h
Local: Palco Tereza Kariri/Oralidades Urbanas/ Livre
29 de Outubro
EXPOSIÇÕES – HÃHÃW: Arte indígena antirracista
Horário: 9h às 23h
Local: Átrio