Na coluna dessa semana iremos fazer um resumo dos debates que participamos em rádios e televisões durante a última semana sobre os casos de violência nas escolas que abalaram o Brasil.
É preciso iniciar ressaltando que vivemos, na última década, uma expansão muito grande da violência em todas as suas manifestações. Nesse ambiente de tensão social os discursos de higienização, ódio e supremacia ganharam espaço e evoluíram para todos os setores da sociedade, sobretudo pelas redes sociais. Juntou-se a isso a flexibilização do acesso a armas de fogo e o discurso de extermínio do outro como solução válida e aceitável para solucionar conflitos de todas as ordens, inclusive no campo dos valores morais. Uma das consequência disso é a de que, como a escola é um recorte do todo social, tende a refletir os valores cultivados e propagados no seu entorno: a naturalização da violência, o desejo e incentivo ao extermino e até o crescimento aberto de grupos neonazistas que floresceu sem controle nos últimos tempos, potencializou a violência nas escolas. Não temos uma escola violenta, o que temos é uma sociedade extremamente violenta, com números alarmantes de ocorrências de ameaças, agressões e mortes violentas. Esse estado de coisas que testemunhamos hoje nas escolas é produto dessa realidade mais ampla , já que a escola não é uma ilha, não sendo possível uma escola segura em um bairro, comunidade ou cidade violenta.
Entretanto, o pânico social gerado pelos últimos acontecimentos tende a levar o debate para o campo de soluções imediatistas e militarizadas, com ideias de força policial ou agentes da segurança privada armados dentro das escolas, detectores de metal, revistas etc. Isso pode ter o efeito, a curto prazo, de trazer uma sensação de segurança e acalmar os ânimos, mas não deve ser a solução. Agentes armados dentro da escola são a exata antítese do que deve ser um projeto nacional de escola cidadã, inclusiva e compromissada com a cultura da paz: é um atestado de derrota, de rendição, pois o principal problema a ser resolvido está no campo da formação cidadã, no combate a cultura da violência, do ódio e do extermínio que se expande entre crianças, adolescentes e jovens. Se não vencemos essa etapa, tudo o mais será inócuo, pura repressão.
E como fazer isso?
Não há solução simples nem de curto prazo, mas algumas questões parecem consensuais: A efetivação de escolas em tempo integral com oferta transversalizada de lazer, esporte e cultura em bairros, comunidades e ruas bem iluminadas, limpas, com espaços de convivência social e comunitária, aliada ao envolvimento dos pais de maneira permanente na discussão das atividades escolares e formação permanente de todos os envolvidos no processo educativo sobre a violência, sobretudo métodos e estratégias preventivas, com esculta ativa dos alunos e equipes treinadas em mediação de conflitos.
Uma parte disso tudo já está previsto na Lei n. 13.185/2015, conhecida como a lei antibullying, mas que não tem merecido atenção de canto a canto do Brasil. O debate está preso ao discurso da reação, de modo que se não reorientarmos os seus termos para as estratégias de prevenção, a probabilidade de termos novas ocorrências, mais cedo ou mais tarde, tende a ser elevada.
A principal tarefa da segurança pública nesse momento, por sua vez, está no campo da inteligência, do monitoramento das redes sociais e dos grupos extremistas disseminados pelo país. Não se trata de criminalidade comum, pois parte, na maioria das vezes, de gente sem passagem policial. São crianças, adolescentes, jovens ou adultos extremistas capturados por discursos de ódio e fanatismos que praticam esses atos em busca de um reconhecimento na bolha, de uma morte heroica para se tornarem mártires. Não é uma coisa que se vença só com repressão, ainda que certamente também seja preciso intensificar a política e as ações de controle de acesso as armas, não só de fogo, armas em geral, incluindo as brancas e as impróprias.
Da mesma forma, é preciso organizar as patrulhas escolares das polícias e das guardas municipais. Essas patrulhas devem ter treinamentos específicos para tratar conflitos entre menores em fase de formação, com expertise em mediação e conciliação. Devem ser patrulhas escolares, mas, sobretudo, patrulhas comunitárias, que conhecem e convivem com o entorno, na melhor definição do que se convencionou chamar de polícia cidadã.
Se não conseguirmos garantir um ambiente de tranquilidade social e segurança dentro das escolas, não seremos capazes de fazê-lo em nenhum outro ambiente social. O horror dos casos vivenciados e do pânico social instalado é também uma oportunidade para rediscutirmos as bases nas quais estão alicerçadas, já de há muito, as políticas públicas de educação e segurança no Brasil.
*Isaac Luna é cientista político, advogado e professor universitário