O ataque violento e voraz de um grupo politicamente organizados aos três poderes da República ocorrido em Brasília na tarde de 08 de janeiro de 2023, com a vandalização impiedosa do patrimônio público, obras de arte e objetos tombados, bem como brasões e símbolos da Pátria, foi a culminância de uma prática que já vinha sendo cultivada e incentivada como modus operandi legítimo de ação política. Ameaças e agressões a opositores políticos, jornalistas, artistas, intelectuais ou a qualquer obstáculo que impeça o avanço da imposição do pensamento autoritário tem sido uma constante na vida política brasileira recente, sobretudo nos últimos quatro anos. Esse estado de coisas leva a definição daquilo que se denomina terrorismo político, ou seja, tática do emprego sistemático da violência para gerar uma sensação de medo permanente e, através disso, impor a vontade política de um grupo extremista pela força bruta.
O cenário é de uma democracia sitiada, ameaçada por um grupo de radicais extremistas organizados e financiados para implantação do caos e, por meio dele, justificar a tomada violenta do poder, destruindo o mais longevo período da democracia brasileira, da ordem constitucional e suas instituições garantidoras.
A reação a esse ataque não pode ser na mesma moeda, sob pena de potencializar um estado de barbárie que não interessa a democracia e civilidade. A resposta não pode ser violenta, mas exclusiva e estritamente baseada e amparada no império da lei, no cumprimento das regras do jogo do Estado Democrático de Direito por meio das suas instituições e agentes públicos legítimos, com transparência e asseguradas todos os direitos e garantias dos acusados no atentado político em exame.
A lista de ilegalidades flagrantes cometidas pelos agentes do evento do domingo em Brasília é vasta, vai desde ilícitos mais simples, tais como dano e furto, até crimes mais específicos, especialmente os definidos pela Lei n. 14.197/21, que substituiu a extinta lei de segurança nacional, também em 2021 revogada. Dentre os novos crimes previstos no Código Penal está o que define a tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, com pena prevista de 4 a 8 anos de reclusão (art. 359-L), bem como o de tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído, com pena de 4 a 12 anos também de reclusão (art. 359-M). Para os agentes públicos que deixaram de agir e cumprir o seu dever de ofício porque concordavam com o ato, há o crime de Prevaricação, com pena de detenção de 6 meses a 1 ano, além das sanções administrativas que podem sofrer. Caso a agente público tenha participado das condutas, direta ou indiretamente, será coautor dos crimes praticados e por eles responderá na medida da sua participação e culpa (art. 29 do código penal).
Para esclarecer essa última circunstância mencionada (art. 29, CP), importante destacar com muita atenção que a autoria do crime não se restringe a quem praticou diretamente a conduta, mas também diz respeito a quem planejou, incitou, instigou, financiou ou facilitou, de qualquer forma, a prática do crime. Portanto, além de quem fez com as próprias mãos, respondem também pelos crimes o autor intelectual, os financiadores, os facilitadores e os incentivadores diretos das condutas. Nesse sentido, a lei em vigor, legitimamente produzida pelo Congresso Nacional eleito democraticamente pelo voto livre e secreto, já oferece os instrumentos necessários para a responsabilização dos envolvidos e para a garantia da ordem pública e defesa da democracia.
Apenas pelo Império da Lei é possível combater o golpismo, o terrorismo político e as tentativas de imposição violenta de minorias radicais antidemocráticas. A tentação de responder com violência ou com ações fora das regras constitucionais leva a um ambiente potencialmente explosivo de insegurança e incertezas. A vitória da Democracia se concretiza com o reconhecimento da força legítima da lei que se impõe a vontade autoritária do crime.
Os acontecimentos do domingo, 08 de janeiro de 2023 em Brasília não foram contra sujeitos A ou B, partidos C ou D, direita ou esquerda. O atentado foi contra o País, contra a República e o Estado Democrático de Direito.
Que, com base inafastável na Constituição de 1988, com respeito aos direitos e garantias dos indivíduos e respeito ao devido processo legal, prevaleça o império da lei e, com ele, a democracia.
*Isaac Luna é cientista político, advogado e professor universitário