O dia 21 de dezembro de 2022 ficará eternamente gravado na memória de Guilherme Navarro e Letícia Nascimento. Os dois tiveram a oportunidade de se conhecerem, apesar de as células sanguíneas de ambos já estarem entrelaçadas pelo amor e pela vida. O técnico em Gastronomia foi responsável por devolver a esperança da jovem, diagnosticada com leucemia. Compatível com o perfil da cearense, o paranaense doou medula óssea duas vezes, em 2017 e 2019.
O encontro ocorreu na quarta-feira (21), na sede do Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará (Hemoce), em Fortaleza. É a segunda vez que um momento como este ocorre no estado. A revelação entre doador e receptora emocionou não só os protagonistas desta história de solidariedade e empatia, mas também todos os presentes no equipamento vinculado à Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa).
Ao ser convidada à frente do palco no evento que marca os dez anos da primeira coleta no Hemoce de células de medula óssea para transplante alogênico não aparentado – quando doador e receptor não são familiares – , Letícia dava cada passo com o coração acelerado, as mãos trêmulas e os olhos marejados.
Quando Guilherme foi anunciado, os olhos dela o procuravam em meio ao público no auditório da unidade. Letícia não conteve as lágrimas. Os dois se demoraram em um abraço. Foi como se a jovem, mesmo em silêncio, agradecesse a oportunidade de continuar a vida.
“Não dormia pensando nesse momento. Foram longos anos de espera. Desde 2017 tenho o sonho de conhecer o meu doador e, hoje, realizei”, afirmou Letícia. “É uma sensação inexplicável. Estou esbanjando alegria e muita gratidão por tudo. Foi muita emoção vê-lo presencialmente ao meu lado; sentir o abraço que tanto esperei. Não tenho nem palavras para descrever. Saio hoje do Hemoce grata. Estou muito feliz e vou fazer valer a pena essa nova vida proporcionada pelo gesto de Guilherme”, continuou.
A estudante já mira os próximos planos. “Curso Biomedicina e os meus próximos objetivos é, futuramente, trabalhar na área de transplante e ajudar a salvar outras pessoas. Quem sabe aqui no Hemoce e com a minha equipe?! Vou batalhar muito por isso”, disse.
Para Guilherme, o encontro também foi muito especial. Acompanhado da esposa e da filha, ele relembrou toda a jornada, desde o dia do cadastro, em 2010, durante um trote solidário como calouro na faculdade, passando pelas duas coletas de medula realizadas: uma em Brasília, em 2017, e a outra no Hemoce, em 2019.
“É muito gratificante descer nesse auditório para encontrá-la e dar o primeiro abraço depois de tudo que passamos. Não tem como mensurar esse momento. Minha filha e minha esposa estão a conhecendo também, assim como a família dela está me conhecendo. Vê-la agora é ter a certeza de que tudo valeu a pena”, conta.
Quebra de sigilo
Segundo o Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome), somente após um ano e oito meses do transplante é possível ter a quebra de sigilo de identidade entre doador e receptor. Para iniciar o processo, independentemente de quem tenha manifestado o interesse, é necessário que ambas as partes estejam de acordo e que o paciente esteja bem clinicamente, além de conter indicação médica atestando a aptidão para conhecer o seu doador.
Diagnóstico
Letícia recebeu o diagnóstico de leucemia em 2016. Na ocasião, soube de que precisaria de um transplante de medula óssea. Iniciou, portanto, a busca por um doador na família, mas não encontrou alguém compatível. Assim, o banco do Redome foi acionado.
Em 2017, a estudante recebeu a notícia que tanto esperava: um doador foi localizado. Era Guilherme. O primeiro transplante foi feito naquele ano no Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC).
Mesmo seguindo todos os cuidados necessários, o tratamento não respondeu como o esperado. Um novo procedimento precisou ser realizado dois anos depois – novamente com as células de Guilherme e no HUWC. Letícia, então, alcançou a cura.
Dez anos do serviço
O evento também marcou os dez anos da primeira coleta de células de medula óssea no Hemoce para transplante alogênico não aparentado, encerrando a Semana de Mobilização Nacional para Doação de Medula Óssea, iniciada na última quarta-feira (14). Na solenidade, foram homenageadas as pessoas que doaram o tecido líquido em 2022.
O Hemoce realiza, desde 2012, procedimentos de avaliação, mobilização, coleta e processamento de células de doadores não aparentados, selecionados pelo Redome, para transplante alogênico de medula óssea. Até o momento, 98 coletas foram registradas, sendo 58 para transplantes de medulas em outros estados e 40 para outros países – como Argentina, Estados Unidos, Canadá, Itália, França, Portugal, Holanda, Alemanha, Espanha, Inglaterra, Turquia e Israel.
Luany Mesquita, diretora de Hematologia do equipamento, compartilha o sentimento de toda a equipe do Hemoce envolvida no processo. “Isso só reforça o impacto do nosso trabalho na vida das pessoas; que decisões tomadas há tantos anos foram acertadas e que os esforços para isso acontecer realmente geraram frutos. Colhê-los depois de dez anos, coroando com essa revelação entre doador e paciente, só fortalece o nosso sentimento e a certeza de que a gente está fazendo a coisa certa”.
Cadastro
Para se cadastrar, o voluntário precisa ter de 18 a 35 anos, estar saudável, não ter sido diagnosticado com câncer e apresentar um documento de identificação oficial com foto. O doador também preenche uma ficha com dados pessoais e tem coletada uma amostra de 5 ml de sangue. As pessoas já cadastrados devem ficar atentas para o caso de serem convocadas e atualizar os dados quando houver mudança de endereço e telefone.
Locais de cadastro no Ceará (Fortaleza e Interior)
– Sede do Hemoce (Av. José Bastos, 3390 – Rodolfo Teófilo)
– Shopping Del Paseo (Av. Santos Dumont, 3131 – Aldeota)
– Instituto Dr. José Frota (IJF) (Rua Barão do Rio Branco, 1816 – Centro)
No interior cearense, os interessados podem fazer o cadastro nos hemocentros regionais de Sobral, Quixadá, Iguatu, Crato e no hemonúcleo de Juazeiro do Norte.