terça-feira, 26 de novembro de 2024

Número de orelhões no Ceará diminui 82,9% em 10 anos

Comprar um cartão ou fichas de crédito para conseguir ligar para alguém. Esperar em uma fila no meio de uma praça para usar o telefone público. Ter como “número pessoal” o aparelho mais próximo da residência, que era dividido com uma rua inteira. Era assim que diversos brasileiros conseguiam se comunicar rapidamente há algumas décadas: por meio dos orelhões. Com a popularização dos celulares e smartphones, os telefones que um dia foram essenciais, hoje passam despercebidos.

No Ceará, em 2012, 42.417 orelhões estavam espalhados pelos municípios. Uma década depois, em 2022, apenas 7.252 aparelhos ainda estão instalados, segundo dados do Sistema de Gestão das Metas de Universalização, da Agência Nacional de Telecomunicações. A redução na quantidade de telefones públicos foi de 82,9%. Isso significa que aproximadamente a cada seis orelhões existentes em 2012, apenas um sobreviveu ao tempo.

Desses orelhões instalados, muitos não funcionam mais. Segundo a plataforma Fique Ligado, da Anatel, só 35% dos quase 900 telefones de Fortaleza ainda funcionam. Na Praça das Flores, em Fortaleza, do orelhão que um dia serviu como telefone da banca da comerciante Jaqueline Lima, 37, só restam a carcaça e os fios. “Não sei se foi a noite, só sei que quando a gente olhou já não estava mais”, lembra Jaqueline. Ela lembra da época em que era preciso esperar na fila para usar o aparelho.

Segundo a comerciante, ainda há pessoas que procuram o telefone e se frustram quando não encontram o orelhão funcionando. Para Jaqueline, era melhor que ele fosse retirado do local. “Não tem mais função. Se funcionasse, era bom para usar numa emergência, se o celular descarrega”, opina.

Tatiane Rufino, 25, comerciante que trabalha próximo à Praça Murilo Borges, no Centro da Capital, também lembra que o único orelhão restante na praça funcionava até antes da pandemia. Na plataforma Fique Ligado ele ainda aparece como “disponível”.

“Eu acho que quebraram. Antes da pandemia ele tocava, eu via pessoas usando”, relata. Tatiane nunca usou aquele orelhão, mas lembra de ajudar a avó, que morava no interior do Piauí, a ligar para Fortaleza pelo telefone público mais próximo quando era criança.

Até 2018, o Ceará ainda tinha mais de 35 mil orelhões. No entanto, naquele ano houve uma mudança no decreto do Plano Geral de Metas para a Universalização do Serviço Telefônico Fixo Comutado (PGMU). O plano deixou de obrigar as empresas concessionárias a garantir quatro orelhões por mil habitantes por município, três por grupo de mil habitantes de uma localidade e um orelhão a cada 300 metros de distância.

Segundo a Anatel, o Poder Executivo “transformou os saldos decorrentes em obrigação de investimentos em redes tecnologicamente mais adequadas e atualizadas”, como redes de fibra óptica. Sem essas obrigações de distância e densidade, o número de orelhões disponíveis, que já estava caindo, despencou. Em 2019, restavam menos de 10 mil no Estado.

Esse cenário não acontece apenas no Ceará ou no Brasil. Em maio de 2022, por exemplo, a prefeitura de Nova Iorque, nos Estados Unidos, removeu o último telefone público da rua. Na Inglaterra, muitas das famosas cabines telefônicas vermelhas hoje são usadas para armazenar desfibriladores da rede de saúde ou receberam obras de arte e mini bibliotecas comunitárias.

Os orelhões sobreviverão a mais uma década?

O contrato de concessão de serviços de telefonia fixa vigente foi assinado em 1998 e deve durar até 2025. A partir deste ano, outras empresas poderão concorrer para se tornarem prestadoras do serviço. No entanto, encontrar quem queira ser responsável por uma área que só perde usuários e tem custos altos para manutenção não é tarefa fácil.

“As operadoras que têm a concessão do serviço de telefonia fixa estão acumulando prejuízo. A dificuldade agora é ter interessados em continuar esse serviço”, diz a presidente da Comissão de Direito das Telecomunicações da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Ceará, Deysi Souza. A advogada explica que deve haver uma remodelação da concessão, propondo mais benefícios para as empresas, e um edital proposto pela Anatel pode ser lançado ainda neste ano.

Deysi acredita que as linhas fixas não vão desaparecer completamente. “A telefonia fixa vai permanecer principalmente para empresas e órgãos públicos, que são os usuários mais frequentes”, afirma. Mas e os orelhões? Ainda é uma incógnita como eles se encaixarão no novo contrato.

Não é possível dizer se os orelhões vão desaparecer totalmente ou se terão o uso repensado. No entanto, a forma como são mantidos hoje não agrada às empresas responsáveis pelo serviço, que pressionam para não serem mais obrigadas a arcar com a manutenção dos aparelhos.

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